Papo de Bateria
Análises dos Ensaios Técnicos dos dias 19 e 20 de março.
Dia 19/03 - Série Ouro
Unidos da Ponte
O mestre Branco Ribeiro teve uma estreia promissora pela bateria da Unidos da Ponte. A batucada da Ritmo Meritiense produziu uma boa sonoridade pela pista, com uma ótima levada dos surdos de terceira, que davam balanço ao samba da escola. Foi possível perceber um timbre mais grave, devido ao peso envolvendo a afinação dos surdos de marcação, proporcionando uma sustentação adequada ao samba enredo. Os arranjos de paradinhas aliavam coerência com uma execução consistente. Um movimento sincronizado pela pista promete surpreender e contagiar o público. Os ritmistas da parte da esquerda e direita trocaram de lugar com o "couro comendo". A galera da esquerda ia pra frente e assim que terminava o movimento, a batucada do lado direito preenchia seu lugar. Um misto de disciplina, emoção e audácia. O desafio é manter o ritmo ajustado e equilibrado, principalmente quando no momento do clímax a batucada se juntar, com a vibração popular das arquibancadas empolgando a galera do batuque. Mas a educação musical dos batuqueiros da Ponte permitiu que a ação mantivesse o samba em sua plena síncope. Em outra bossa a bateria agachava de forma dançante por duas vezes, seguindo a variação rítmica da convenção, com direito a pirotecnia no fim. Branco Ribeiro pisou pela primeira vez na Sapucaí dirigindo a bateria da Unidos da Ponte de forma serena, mas sem deixar de ser arrojado.
Houve a mescla de bom ritmo com uma desenvoltura de amplo destaque.
Cubango
A Ritmo Folgado de Mestre Demétrius fez jus ao nome, apresentando uma sonoridade marcada pelo equilíbrio entre as peças. O ressoar do naipe de caixas dava uma base sólida de sustentação rítmica. Um acompanhamento entrosado foi percebido por parte das peças leves. A ala de chocalho com toque extremamente firme desfilou com um lenço na cabeça, numa homenagem sutil e singela ao que era uma marca de Chica Xavier, enredo da escola. Os tamborins fizeram o simples muito bem feito. Merece ser sublinhada a tranquilidade do diretor de tamborins, com assombrosos quinze anos de idade! As paradinhas possuem refino musical e foram executadas de forma consistente pela pista. Destaque para um solo de atabaques e ritmistas de repique, que passam a tocar agogôs de duas campanas (bocas), repetindo a convenção rítmica das caixas de outra bossa no refrão que precede o principal. Os ritmistas do atabaque nesse momento usam o que parece ser uma baqueta de tamborim dando uma sonoridade ímpar. Sem contar a representação religiosa envolvendo o Aguidavi, uma espécie de vareta com aspecto sagrado no Candomblé. Os mesmos atabaques são novamente solicitados numa paradinha do refrão do meio, onde mais uma vez os repiques do entorno os seguem, dando ênfase e acentuando uma levada rítmica de vertente africana. A única nota triste da noite fica pro carro de som, com volume elevado além da conta, prejudicando a plena audição da batucada pela Avenida. O próprio carro de som fez o intérprete Pixulé realizar um ajuste sonoro mais longo que o usual, demonstrando que algo já não estava legal. Nada que ofuscasse a bateria do Cubango, numa apresentação que mostra um ritmo pronto em busca da sonhada nota 10.
Império da Tijuca
A Sinfonia Imperial de Mestre Jordan infelizmente não teve uma noite de ritmo tão próspera, principalmente quanto a execução de suas paradinhas. É necessário ter atenção a coesão rítmica entre os diversos naipes, nos momentos de executar as bossas e suas retomadas. Nos movimentos de "toques cheios" e de repetições entre as peças havia fluência, já em determinados solos específicos foi possível perceber variações pela pista. São detalhes que os ensaios finais para o desfile podem ajustar, talvez até com algumas mudanças que facilitem a plena limpeza da execução. As marcações de primeira e segunda na parte lateral da batucada precisam estar mais próximas e juntas. Claro que se faz necessário um certo distanciamento para que os surdistas possam se locomover, sem que os instrumentos encostem no ritmista a sua frente. Entretanto se for elevada, essa distância tende a ser prejudicial a própria bateria, já que existem riscos do som chegar atrasado para os batuqueiros do entorno, aumentando a chance de oscilações. A nota positiva fica para o bom balanço e som produzido pelos surdos de terceiras, que desenhados alavancaram o samba em alguns trechos melódicos. Ensaios técnicos são para eventuais correções. A bateria do Império da Tijuca tem potencial, além de material humano suficiente para um alinhamento e aprimoramento até o desfile oficial da escola.
Dia 20/09 - Grupo Especial
Tuiuti
A estreia de Mestre Marcão pela Super Som foi sublime. Ao invés do dilúvio murchar o clima na batucada, ocorreu justamente o contrário. Além da excelência rítmica na condução do melodioso samba, a alegria e espontaneidade dos ritmistas foi notada. A conversa musical entre todos os naipes aconteceu com consistência. A "cozinha" segura e equilibrada, com destaque para as batidas das caixas, proporcionou que as peças leves se sobressaísem. O naipe de tamborins executou sua convenção com precisão, firmeza e de forma chapada. Tudo em sincronia com uma ala de chocalhos acima da média, que intercalava um ritmo de exímia qualidade com movimentos dançantes de passo marcado, que foram aclamados pelo público, assim como a Princesa de bateria que viralizou repetindo os referidos passinhos com muito samba no pé. O destaque entre as paradinhas fica para a que tem solo de atabaques com acentuação e repetição dos movimentos pelos repiques no refrão principal. Impressiona por toda complexidade e dificuldade envolvida em sua construção, exigindo uma apurada técnica de ritmo. Outra bossa de destaque é a usada pelo Mestre na largada e subida do samba, com alto impacto de pressão, junto a um bem orquestrado "ataque" das caixas no ato da explosão dos surdos. Pela Avenida os ritmistas ainda faziam um balanço com o corpo de "pra lá e pra cá" na hora dessa retomada, que requer atenção e a galera tocando sempre de forma compenetrada para evitar emboladas e desajustes. A batucada ficou naturalmente mais pesada, a medida que o tempo passou e a chuva não deu trégua. Mas mesmo com as afinações das marcações caindo foi possível notar uma educação musical privilegiada dos surdistas, que passaram a tocar seus instrumentos se preocupando com a precisão e leveza do movimento. Mestre Marcão tem motivos para ficar bastante orgulhoso do ritmo produzido pela Super Som, principalmente porque utilizou maciçamente a base de ritmistas "da casa" para a realização do seu trabalho. Isso indica que ritmicamente a bateria do Tuiuti aparenta ter subido de nível, sem contar que se encontra em franco desenvolvimento.
Vila Isabel
Pela primeira vez pisando na Sapucaí sem Mestre Mug nesse plano para acompanhar, a Swingueira de Noel de Mestre Macaco Branco fez uma apresentação ótima e sólida, honrando as tradições e características da Vila. A largada possante tanto da batucada, quanto do carro de som merece ser ressaltada. Um andamento mais cadenciado foi notado. Assim como a sonoridade ímpar dos surdos de terceira marcando, com o papel de centrador, como era visto em Vila Isabel nas batucadas das antigas. O complemento musical ficou a cargo das caixas de guerra coesas com toque reto e a batida peculiar dos taróis, que deram um balanço único e inconfundível a bateria. O acompanhamento das peças leves foi marcado pela sincronia da ala de chocalhos segura e o naipe de tamborins com uma afinação mais apertada e batida firme, fazendo movimentos que ecoaram de forma uníssona por toda pista. A paradinha de maior destaque é a da segunda do samba, quando os tamborins viram de frente para a parte de trás do ritmo, fazendo um solo com precisão, aliado a uma retomada constante durante todo o percurso do desfile. Merece menção também o arranjo musical envolvendo a bossa da cabeça da obra, com uma pegada mais malandreada e que casou de maneira magistral o samba com a batucada na Avenida. Fica evidenciada durante sua execução a boa educação dos ritmistas, com firmeza e precisão, mas em nenhum momento aceleração. Amadeu Amaral, o lendário Mug, está certamente orgulhoso no céu por ver seu pupilo e ex diretor de tamborins Macaco Branco apresentar um ritmo cada vez mais consistente, num trabalho maturado com respeito a identidade e as tradicionais marcas da batucada da Vila. Seu legado permanece vivo e dando frutos.
Mangueira
A bateria da Mangueira comandada por Mestre Wesley fez uma apresentação muito boa, fechando um dia de alto nível de batucadas. O breque utilizado para a subida da bateria faz parte da paradinha do samba: "Só sei que Mangueira" (BUM!). A largada é feita com pressão, seguida do ritmo inigualável mangueirense. Quando a batucada se assentou, dentro do primeiro recuo, o andamento escolhido para a execução do samba enredo foi mais cadenciado e assim se manteve durante toda pista. Isso permitiu que o molho diferenciado que só uma bateria com as peculiaridades e características como a da Manga pode proporcionar virasse o ponto alto do batuque. Dentro da Avenida o samba ficou dolente, impulsionado por batuqueiros com vigor, boa técnica e disciplina. O balanço do incomparável surdo mor provocou uma fluência com uma conversa rítmica equilibrada com o rufar da batida uniforme das caixas. O surdo de primeira ecoou com firmeza e precisão absoluta, principalmente na execução da elaborada e complexa paradinha e suas retomadas. A bossa da escola é um acerto musical dentro da melodia do samba, explorando ao máximo a potencialização da bateria e dividida em breques. Merece ser destacado o papel crucial dos atabaques, tendo inclusive num trecho a missão de subir novamente o ritmo, que foi executado com maestria. A qualidade do chocalho mangueirense entrelaçou musicalmente com uma ala de tamborins enxuta e correta. A convenção dos tamborins explora os traços melódicos da obra mangueirense de forma genuína. É possível afirmar que o desenho rítmico do tamborim no refrão de baixo é tão identitário que só encaixa musicalmente com uma bateria com pegada e características como a da Mangueira. "Tem que respeitar meus tamborins!". Mestre Wesley e os ritmistas mangueirenses lavaram suas almas com uma batucada onde se aproveitou ao máximo suas virtudes, raízes e qualidades.
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