Grandioso, agregador e emocionante. Embora historicamente as baterias de escolas de samba do Carnaval Carioca já tenham realizado encontros visando disputas amistosas pela década de 60 (a primeira em 1963 no Maracanãzinho), nenhum evento de confraternização entre todas as baterias do Grupo Especial havia sido realizado. Até a atual campeã Acadêmicos do Grande Rio servir de anfitriã para uma noite de sábado e manhã de domingo histórica e memorável, através do pioneiro Guardiões da Favela.
O Festival começou com a dona da casa abrindo os trabalhos para uma curta apresentação, enquanto a bateria Pura Cadência da Unidos da Tijuca já aguardava a hora do seu show, em um dos três palcos (Maurício, Odilon e Du Gás) montados pela quadra. Os nomes em referência a Mestres que dedicaram parte da vida a construção da identidade musical da escola de Caxias mostra a exata dimensão do carinho e do zelo em torno de uma festa feita de sambista para sambista. A organização escolhida deu dinamismo, além de certa praticidade as apresentações. Assim que uma bateria terminava, outra iniciava seu show em seguida, configurando um acerto logístico diante de um evento com tantas agremiações. Uma solução encontrada para suprir a necessidade gastronômica do público foi organizar praticamente uma avenida de barracas de alimentação de ambulantes locais, logo após a porta principal, antes de entrar na quadra contribuindo economicamente com os habitantes da região e fortalecendo laços comunitários.
Logo na primeira apresentação da campeã do Carnaval uma pane elétrica causou um apagão na quadra. O que para qualquer evento representaria tensão, dentro da cultura do povo do samba virou um marco de emoção. O samba do Carnaval 2006 foi cantado a plenos pulmões, em coro, pelos presentes. A luz não demorou uma passada inteira do samba enredo para voltar, mas o prenúncio de uma noite com contornos épicos já havia rolado. A Grande Rio retornou para realizar a sexta apresentação da noite, agora cantando sambas mais recentes, com direito a inúmeros segmentos e muita interação popular com a obra campeã do Carnaval 2022 sobre Exu (presente nas ornamentações carnavalescas da quadra por meio de esculturas do último desfile). O clima e energia no Guardiões da Favela foi o ponto alto de todo o espetáculo montado nos mínimos detalhes, em prol de valorizar a cultura dos ritmos das baterias.
Inúmeras foram as escolas que mandaram diversos segmentos, contribuindo para a grandiosidade do inédito encontro. Agremiações com ensaios comerciais no sábado também se dividiram e enviaram seus representantes, mostrando apreço pela ocasião de exibir seus respectivos trabalhos, além da oportunidade única de vivenciar uma festa de praticamente doze horas de duração para os amantes de samba. Era possível encontrar pessoas de outros estados, que vieram somente para prestigiar o encontro, o que mostra o alcance comercial do Samba Enredo enquanto gênero pelo país, além do imenso valor dos ritmos das baterias como cultura. Esse fato não só dignifica a noitada musical, como explicita o fascínio que uma bateria é capaz de exercer nas pessoas, independentemente de localidade.
Mestre Fafá, um dos idealizadores do evento junto de Mozart da Lua (diretor social da escola), serviu de anfitrião aos demais mestres, além de ter se dedicado consideravelmente para que a realização do Festival ocorresse. O valor inestimável de resgatar eventos desse tipo expõe o carinho com a cultura das baterias, permitindo maior integração entre ritmistas, impulsionando nosso segmento a ter seu valor devidamente reconhecido, assim como sua excelência musical confirmada. Baterias deram verdadeiros shows, cada uma com sua peculiaridade, característica e tradição envolvendo sua sonoridade.
Os contingentes das escolas paulistanas Mocidade Alegre e Mancha Verde foram impressionantes, abrilhantando ainda mais o espetáculo, que tem tudo pra ser uma pedra fundamental dentro da cultura rítmica carioca, quiçá brasileira.
Mais do que necessário, se torna fundamental que o Festival Guardiões da Favela não se esgote em sua primeira edição.
As escolas de samba atualmente passam por um período de transição comercial, cada vez mais compreendendo seu significado político dentro do contexto social que estão inseridas. Se o enredo campeão do Carnaval carioca foi um marco representativo de religiosidade, a noite de ontem está repleta de simbolismo cultural para cada ritmista ou sambista que participou. É imprescindível, portanto, que esse tipo de confraternização perdure e preferencialmente faça parte do calendário fixo do pré-carnaval do RJ. Algum momento especial certamente ficou guardado na memória e no coração de quem, por algumas horas, esqueceu dos problemas mundanos para cair dentro do samba e do ritmo das baterias! Obrigado, Mestre Fafá, Da Lua e absolutamente todos os segmentos da Acadêmicos do Grande Rio, além dos demais envolvidos direta ou indiretamente para que o evento transcorresse perfeitamente. O samba agradece.
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